March 11, 2024
Após aprovação em Conselho de Ministros ainda em novembro, a Estratégia de Longo Prazo de Combate à Pobreza Energética (ELPPE) 2023-2050 viu finalmente a luz do dia com a publicação, a 8 de janeiro, em Diário da República.
João Pedro Gouveia participou nas discussões iniciais sobre o que haveria de ser o diploma e nas duas consultas públicas. O investigador da Universidade Nova de Lisboa, que também integra a equipa de coordenação do EPAH - EU Energy Poverty Advisory Hub, considera o documento “bastante sólido”, pelo facto de
olhar para os indicadores e para a estrutura de ação e identificar agentes que devem intervir. O investigador reconhece o grau de ambição dos objetivos, mas afirma que faz sentido assumir como meta a erradicação da pobreza energética até 2050.
Em todo o caso, João Pedro Gouveia sente que ficou a faltar uma avaliação ex-ante do que se pretende e como se chega lá, algo que, espera, seja detalhado no plano de ação. Questionado pela Construção Magazine, o Ministério do Ambiente e Ação Climática disse que o primeiro plano de ação da estratégia, correspondente ao período 2024-2030, deve ser apresentado pelo Observatório Nacional da Pobreza Energética (ONPE-PT) no período de 30 dias após a publicação do Despacho que determina a sua composição e funcionamento. O Despacho está, segundo o Ministério, em processo legislativo, aguardando-se para breve a respetiva publicação.
João Pedro Gouveia não duvida de que a diminuição dos índices da pobreza energética passará muito pela renovação do edificado, mas também sublinha a necessidade de clarificar as fontes de financiamento que vão servir este propósito, até porque o PRR é para executar no curto prazo. “Temos de ter muito claro como é que isto se atinge e num plano de ação para os próximos anos isto tem de ser muito óbvio”, nota o investigador.
“Pobreza energética não é pobreza”, avisa João Pedro Gouveia. É uma dimensão do problema, mas é mais aberta, englobando edifícios, formas de consumo de energia e fatores como a literacia energética. Contudo, existem extremos de dificuldade associados à pobreza, pelo que o texto do documento chama a atenção para a articulação com outros instrumentos em vigor, como a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030, e outros mais diretamente virados para a questão da habitação, como o 1º Direito ou o IFFRU. Também com a Estratégia de Longo Prazo para a Renovação do Edificado (ELPRE), o investigador identifica uma forte interligação. Mas enquanto a ELPRE tem abrangência nacional e é focada na componente construtiva (que vai, naturalmente, influenciar o conforto térmico), a ELPPE foca-se na dimensão da pobreza energética e oferece um diagnóstico deste problema. De facto, as medidas da ELPRE dirigem-se à melhoria do conforto e mitigação da pobreza energética, pretendendo-se atuar ao nível da envolvente térmica dos edifícios, de forma a garantir níveis de conforto aceitáveis sem aumento do consumo de energia para aquecimento.
Para além disso, a ELPPE reconhece a multidimensionalidade do problema da pobreza energética: para além das questões do edificado, vai de encontro a dimensões como as tarifas, os comercializadores, os equipamentos a privilegiar e “uma componente muito importante de informação”, sublinha o investigador. Associada a esta vertente de informação, há uma vertente de mobilização de universidades, associações de consumidores ou agência de energia, que deverão ter um contributo
técnico, mas também de apoio na divulgação e comunicação do problema.
Competirá ao novo Observatório identificar e monitorizar os agregados em situação de pobreza energética, e, para João Pedro Gouveia, é importante melhorar os indicadores. “Os indicadores que normalmente são usados são indicadores proxy, ou seja, não foram desenhados para identificar pobreza energética ou para diagnosticar pobreza energética”, esclarece o investigador. Isto leva a abordagens erróneas, como a associação direta entre incapacidade de aquecer a casa e pobreza energética, quando há outros fatores a ter em conta para um correto diagnóstico da situação, como a estação do ano, as condições da habitação, a capacidade de pagar as contas atempadamente, etc. E para além de dados abrangentes que permitam identificar tendências nacionais, João Pedro Gouveia realça a importância de termos dados à escala local. Os problemas em Setúbal ou em Bragança podem não ser os mesmos, mas com inquéritos à escala local – e envolvimento de agentes locais – será possível ter uma identificação mais rigorosa que conduza a um apoio mais eficaz.
Construção Magazine nº119, janeiro/ fevereiro 2024, A Qualidade da Construção
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